NOTÍCIAS DE BRASÍLIA II – NOVAS DECISÕES DO STF

 1) NOVAS DECISÕES DO STF

  • AG. REG. NO AI N. 816.525-SC

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Previdenciário. 3. Ex-combatente. Pensão especial. Benefício previdenciário. 4. Cumulação. Possibilidade. 5. Art. 53, II, do ADCT. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.


  • AG. REG. NO ARE N. 637.958-MG

RELATORA: MIN. ROSA WEBER

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. POLICIAL MILITAR. TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR. INSTAURAÇÃO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – PAD. DEMISSÃO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO CONFIGURADA. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL, AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. EVENTUAL VIOLAÇÃO REFLEXA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NÃO VIABILIZA O MANEJO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AS RAZÕES DO AGRAVO REGIMENTAL NÃO SÃO APTAS A INFIRMAR OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 20.10.2010. Inexiste violação do artigo 93, IX, da Constituição Federal. Na compreensão desta Suprema Corte, o texto constitucional exige que o órgão jurisdicional explicite as razões de seu convencimento, sem necessidade, contudo, do exame detalhado de cada argumento esgrimido pelas partes. Precedentes. O exame da alegada ofensa ao art. 5º, XXXIX, LIII, LIV e LV, da Constituição Federal dependeria de prévia análise da legislação infraconstitucional aplicada à espécie, o que refoge à competência jurisdicional extraordinária, prevista no art. 102 da Constituição Federal. Agravo regimental conhecido e não provido.


  • AG. REG. NO RE N. 505.654-DF

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

CONCURSO PÚBLICO – PROVA DE ESFORÇO FÍSICO. Caso a caso, há de perquirir-se a sintonia da exigência, no que implica fator de tratamento diferenciado, com a função a ser exercida. Não se tem como constitucional a exigência de prova física desproporcional à cabível habilitação aos cargos de escrivão, papiloscopista, perito criminal e perito médico-legista de Polícia Civil.


  • HC N. 111.076-MS

RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI

EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO INTERESTADUAL. DESNECESSIDADE DE TRANSPOSIÇÃO DE FRONTEIRA ENTRE ESTADOS DA FEDERAÇÃO. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. 1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de ser desnecessária a efetiva transposição das fronteiras interestaduais para a incidência da majorante prevista no inciso V do art. 40, “bastando a comprovação inequívoca de que a droga adquirida num estado teria como destino outro estado da Federação” (HC 115893, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe de 04-06-2013). Precedentes. 2. Ordem denegada.


2) TORTURA PRATICADO POR POLICIAL MILITAR

RE N. 440.028-SP

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

PRÉDIO PÚBLICO – PORTADOR DE NECESSIDADE ESPECIAL – ACESSO. A Constituição de 1988, a Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência e as Leis nº 7.853/89 – federal –, nº 5.500/86 e nº 9.086/95 – estas duas do Estado de São Paulo – asseguram o direito dos portadores de necessidades especiais ao acesso a prédios públicos, devendo a Administração adotar providências que o viabilizem.

RELATOR: Ministro Celso de Mello

E M E N T A: CRIME DE TORTURA – CONDENAÇÃO PENAL IMPOSTA A OFICIAL DA POLÍCIA MILITAR – PERDA DO POSTO E DA PATENTE COMO CONSEQUÊNCIA NATURAL DESSA CONDENAÇÃO (LEI Nº 9.455/97, ART. 1º, § 5º) – INAPLICABILIDADE DA REGRA INSCRITA NO ART. 125, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO, PELO FATO DE O CRIME DE TORTURA NÃO SE QUALIFICAR COMO DELITO MILITAR – PRECEDENTES – SEGUNDOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – INOCORRÊNCIA DE CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU OMISSÃO – PRETENSÃO RECURSAL QUE VISA, NA REALIDADE, A UM NOVO JULGAMENTO DA CAUSA – CARÁTER INFRINGENTE – INADMISSIBILIDADE – PRONTO CUMPRIMENTO DO JULGADO DESTA SUPREMA CORTE, INDEPENDENTEMENTE DA PUBLICAÇÃO DO RESPECTIVO ACÓRDÃO, PARA EFEITO DE IMEDIATA EXECUÇÃO DAS DECISÕES EMANADAS DO TRIBUNAL LOCAL – POSSIBILIDADE – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NÃO CONHECIDOS.

TORTURA – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM – PERDA DO CARGO COMO EFEITO AUTOMÁTICO E NECESSÁRIO DA CONDENAÇÃO PENAL.

– O crime de tortura, tipificado na Lei nº 9.455/97, não se qualifica como delito de natureza castrense, achando-se incluído, por isso mesmo, na esfera de competência penal da Justiça comum (federal ou local, conforme o caso), ainda que praticado por membro das Forças Armadas ou por integrante da Polícia Militar. Doutrina. Precedentes.

– A perda do cargo, função ou emprego público – que configura efeito extrapenal secundário – constitui consequência necessária que resulta, automaticamente, de pleno direito, da condenação penal imposta ao agente público pela prática do crime de tortura, ainda que se cuide de integrante da Polícia Militar, não se lhe aplicando, a despeito de tratar-se de Oficial da Corporação, a cláusula inscrita no art. 125, § 4º, da Constituição da República. Doutrina. Precedentes.

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – UTILIZAÇÃO PROCRASTINATÓRIA – EXECUÇÃO IMEDIATA – POSSIBILIDADE.

– A reiteração de embargos de declaração, sem que se registre qualquer dos pressupostos legais de embargabilidade (CPP, art. 620), reveste-se de caráter abusivo e evidencia o intuito protelatório que anima a conduta processual da parte recorrente.

– O propósito revelado pelo embargante, de impedir a consumação do trânsito em julgado de decisão que lhe foi desfavorável – valendo-se, para esse efeito, da utilização sucessiva e procrastinatória de embargos declaratórios incabíveis –, constitui fim que desqualifica o comportamento processual da parte recorrente e que autoriza, em consequência, o imediato cumprimento da decisão emanada desta Suprema Corte, independentemente da publicação do acórdão consubstanciador do respectivo julgamento. Precedentes.

Relatório: Trata-se de novos embargos de declaração opostos ao acórdão de fls. 1.093/1.098, que rejeitara, por incabíveis, os primeiros embargos declaratórios também deduzidos pela parte ora recorrente.

O acórdão, contra o qual se insurge o recorrente, está assim ementado (fls. 1.098):

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA CRIMINAL. ALEGAÇÃO DE CONTRADIÇÃO. CARÁTER INFRINGENTE.

O acórdão embargado não incorreu em contradição, sendo claro o intuito de se obter efeitos infringentes com o presente recurso. Precedente.

Não observância das exigências do art. 337 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Ademais, subsiste fundamento suficiente para manter o acórdão ora recorrido (Súmula 283).

Embargos de declaração rejeitados.”

Submeto, pois, estes segundos embargos de declaração ao exame desta colenda Turma.

É o relatório.

Voto: Entendo não assistir qualquer parcela de razão à parte ora embargante, eis que não há, efetivamente, no acórdão emanado desta colenda Segunda Turma (fls. 1.093/1.098), qualquer obscuridade, omissão ou contradição a sanar.

Tal como acentuado no julgamento em causa, fundado em orientação jurisprudencial prevalecente nesta Suprema Corte (RTJ 134/836 – RTJ 134/1296, v.g.), o recurso em questão não se revela cabível, porque – a pretexto de esclarecer uma inexistente situação de obscuridade, omissão ou contradição – veio a ser utilizado com o inadmissível objetivo de infringir o julgado e de, assim, viabilizar um indevido reexame da causa.

O ora embargante, na realidade, busca desconstituir acórdão anterior, proferido no julgamento desta causa, pretendendo, para além do mero exame dos pressupostos condicionadores da adequada utilização dos embargos de declaração – pressupostos estes inocorrentes na espécie –, rediscutir a própria matéria que constituiu objeto de exaustiva apreciação por parte deste Supremo Tribunal Federal.

Estes novos embargos declaratórios, portanto, considerados os próprios fundamentos que lhes dão suporte, revestem-se de caráter evidentemente infringente, circunstância esta que se revela incompatível com a natureza e a finalidade desse especial meio de impugnação recursal.

Não custa rememorar, neste ponto, consoante tenho salientado em diversos julgamentos proferidos nesta Corte (RTJ 132/1020), que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não admite os embargos de declaração, quando estes revelam, como no caso, o intuito do embargante de obter, em sede absolutamente inadequada, o reexame de matéria que foi correta e integralmente apreciada pelo acórdão impugnado:

“Os embargos de declaração não devem revestir-se de caráter infringente. A maior elasticidade que se lhes reconhece, excepcionalmente, em casos de erro material evidente ou de manifesta nulidade do acórdão (RTJ 89/548 – RTJ 94/1167 – RTJ 103/1210 – RTJ 114/351), não justifica – sob pena de grave disfunção jurídico-processual dessa modalidade de recurso – a sua inadequada utilização com o propósito de questionar a correção do julgado e obter, em conseqüência, a desconstituição do ato decisório.”

(RTJ 158/993, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

É por essa razão que o magistério jurisprudencial desta Corte tem sempre ressaltado que os embargos de declaração – desde que ausentes, como no caso, os seus requisitos de admissibilidade – não podem ser utilizados com a finalidade de sustentar eventual incorreção do acórdão ou de propiciar um novo exame da própria questão de fundo, em ordem a viabilizar a desconstituição do ato decisório proferido pelo Tribunal (RTJ 114/885 – RTJ 116/1106 – RTJ 118/714 – RTJ 134/1296).

A inexistência, no acórdão ora impugnado, de qualquer situação caracterizadora de obscuridade, contradição ou omissão desautoriza, pois, na espécie, o conhecimento dos presentes embargos de declaração.

Vê-se, desse modo, que o comportamento processual da parte ora embargante sofre as restrições ditadas pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, cuja orientação, no tema – embora considerando possíveis, em tese, novos embargos de declaração –, assinala que essa modalidade recursal só se justifica quando efetivamente ocorrente qualquer dos pressupostos legais de embargabilidade (RE 179.502-ED-ED/SP, Rel. Min. MOREIRA ALVES, v.g.).

Sendo assim, e tendo presentes as razões expostas, não conheço, por inadmissíveis, destes segundos embargos de declaração.

Não obstante esse juízo de incognoscibilidade, que se legitima em razão do caráter infringente de que se revestem estes segundos embargos de declaração, vale observar, tal como assinalado nos julgamentos anteriores do presente caso, que a tortura, tipificada na Lei nº 9.455/97, constitui prática criminosa juridicamente equiparável aos delitos hediondos, não se qualificando como crime militar, a significar, portanto, quando cometida por policial militar, que pertencerá à Justiça comum (e não à Justiça castrense), a competência para processar e julgar esse ignominioso ilícito penal.

Disso resulta ser inaplicável a norma inscrita no § 4º do art. 125 da Constituição da República, que tem como pressuposto – para efeito de instauração do procedimento administrativo de decretação da perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças – a existência de crime militar definido em lei, circunstância de todo inocorrente na espécie destes autos, pois – insista-se – o crime de tortura não configura delito de natureza castrense.

É sempre importante rememorar, por oportuno, que o Supremo Tribunal Federal, ao examinar a natureza jurídica do crime de tortura, tal como definido na Lei nº 9.455/97, tem acentuado não se tratar de delito militar (HC 92.181/MG, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – RHC 104.751/MG, Rel. Min. LUIZ FUX, v.g.), o que legitima, plenamente, o exercício, por órgãos da Justiça comum, da competência penal em relação àquela infração delituosa, ainda que praticada por membros das Forças Armadas ou, como sucede na espécie, por integrantes da Polícia Militar:

“TORTURA CONTRA MENOR PRATICADA POR POLICIAL MILITAR – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM DO ESTADO-MEMBRO.

– O policial militar que, a pretexto de exercer atividade de repressão criminal em nome do Estado, inflige, mediante desempenho funcional abusivo, danos físicos a menor eventualmente sujeito ao seu poder de coerção, valendo-se desse meio executivo para intimidá-lo e coagi-lo à confissão de determinado delito, pratica, inequivocamente, o crime de tortura (…).

– O crime de tortura contra criança ou adolescente (…) submete-se à competência da Justiça comum do Estado-membro, eis que esse ilícito penal, por não guardar correspondência típica com qualquer dos comportamentos previstos pelo Código Penal Militar, refoge à esfera de atribuições da Justiça Militar estadual.”

(HC 70.389/SP, Red. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

“Recurso extraordinário criminal. 2. Arquivamento de Inquérito Policial Militar, por inexistência de crime militar. 3. Correição parcial requerida pelo Juiz-Auditor Corregedor da Justiça Militar da União. 4. Alegação de ocorrência de crime de tortura. Crime comum. Incompetência da Justiça Militar. Inteligência do art. 124 da Constituição Federal. 5. Recurso extraordinário conhecido e parcialmente provido, determinando-se a remessa dos autos à Seção Judiciária do Estado de São Paulo.”

(RE 407.721/DF, Rel. Min. GILMAR MENDES – grifei)

Cabe destacar, no ponto, no sentido ora exposto, a lição de GUILHERME DE SOUZA NUCCI (“Leis Penais e Processuais Penais Comentadas”, p. 1.196, item n. 3, 5ª ed., 2010, RT):

“(…) a tortura é crime comum. Logo, a competência é da Justiça Estadual ou Federal, conforme o lugar em que for cometida, além dos outros fatores previstos no art. 109 da Constituição Federal. (…). Porém, jamais será considerado crime militar, pouco importando ser cometido por militar contra civil ou por militar contra militar. Não há tipificação do delito de tortura no Código Penal Militar, nem em tratado ou convenção a esse respeito.” (grifei)

Esse entendimento é igualmente perfilhado por outros ilustres doutrinadores penais que também enfatizam não se qualificar como delito de natureza castrense o crime de tortura, o que o exclui, por tal razão, da esfera de competência penal da Justiça Militar, não obstante perpetrado por membro das Forças Armadas ou por integrante da Polícia Militar (FLÁVIO MARTINS ALVES NUNES JÚNIOR, “Leis Penais Especiais”, p. 275, item n. 7.4, 2013, RT; JOSÉ PAULO BALTAZAR JÚNIOR, “Crimes Federais”, p. 586, 6ª ed., 2010, Livraria do Advogado, v.g.).

Torna-se importante insistir na afirmação, Senhores Ministros, de que a tortura, além de expor-se a um juízo de reprovabilidade ético-social, revela, no gesto primário e irracional de quem a pratica, uma intolerável afronta aos direitos da pessoa humana e um acintoso desprezo pela ordem jurídica estabelecida.

Trata-se de conduta cuja gravidade objetiva torna-se ainda mais intensa, na medida em que a transgressão criminosa do ordenamento positivo decorra do abusivo exercício de função estatal.

O Brasil, consciente da necessidade de prevenir e de reprimir os atos caracterizadores da tortura, subscreveu, no plano externo, importantes documentos internacionais, de que destaco, por sua inquestionável importância, a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1984; a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, concluída em Cartagena em 1985, e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), adotada no âmbito da OEA em 1969, atos internacionais estes que já se acham incorporados ao plano do direito positivo interno de nosso País (Decreto nº 40/91, Decreto nº 98.386/89 e Decreto nº 678/92).

Cabe reafirmar que a tortura exterioriza um universo conceitual impregnado de noções com que o senso comum e o sentimento de decência das pessoas identificam as condutas aviltantes que traduzem, na concreção de sua prática, as múltiplas formas de execução desse gesto caracterizador de profunda insensibilidade moral daquele que se presta, com ele, a ofender a dignidade da pessoa humana.

O respeito e a observância das liberdades públicas impõem-se ao Estado como obrigação indeclinável, que se justifica pela necessária submissão do Poder Público aos direitos fundamentais do ser humano.

O conteúdo dessas liberdades – verdadeiras prerrogativas do indivíduo em face da comunidade estatal – acentua-se pelo caráter ético-jurídico que essas franquias individuais assumem e pelo valor social que ostentam, na proporção exata em que elas criam, em torno da pessoa, uma área indevassável e inteiramente oponível à ação do Estado.

Quando se fala em tortura, a problematização da liberdade individual na sociedade contemporânea não pode prescindir de um dado axiológico essencial: o do valor ético fundamental da pessoa humana.

Daí a advertência de CELSO LAFER (“A Reconstrução dos Direitos Humanos”, p. 118, 1988, Companhia das Letras, S. Paulo):

“(…) o valor da pessoa humana, enquanto conquista histórico-axiológica, encontra a sua expressão jurídica nos direitos fundamentais do homem. É por essa razão que a análise da ruptura – o hiato entre o passado e o futuro, produzido pelo esfacelamento dos padrões da tradição ocidental – passa por uma análise da crise dos direitos humanos, que permitiu o estado totalitário de natureza.” (grifei)

Importante rememorar, neste ponto, Senhores Ministros, a lúcida abordagem que HÉLIO PELLEGRINO fez a propósito da utilização da tortura como instrumento de repressão política (“A Tortura Política”, “in” “Jornal do Brasil”, Caderno B, de 18/04/85):

“O projeto da tortura implica uma negação total – e totalitária – da pessoa enquanto ser encarnado. O centro da pessoa humana é a liberdade. Esta, por sua vez, é a invenção que o sujeito faz de si mesmo, através da palavra que o exprime. Na tortura, o discurso que o torturador busca extrair do torturado é a negação absoluta de sua condição de sujeito livre. A tortura visa ao acesso da liberdade. A confissão que ela busca, através da intimidação e da violência, é a palavra aviltada de um sujeito que, nas mãos do torturador, se transforma em objeto. Ao quebrar-se frente à tortura, o torturado consuma – e assume – uma cisão que lhe rouba o uso e o gozo pacífico do seu corpo. A ausência de sofrimento corporal, ao preço da confissão que lhe foi extorquida, lhe custa a amargura de sentir-se traidor, traído pelo próprio corpo. Sua carne apaziguada testemunha e denuncia a negação de si mesmo enquanto pessoa. A tortura, quando vitoriosa, opera no sentido de transformar sua vítima numa degradada espectadora de sua própria ruína.” (grifei)

Esta é uma verdade que não se pode desconhecer: a emergência das sociedades totalitárias está causalmente vinculada, de modo rígido e inseparável, à desconsideração da pessoa humana, enquanto valor fundante da própria ordem político-jurídica do Estado.

A tortura, nesse contexto, constitui a negação arbitrária dos direitos humanos, pois reflete – enquanto prática ilegítima, imoral e abusiva – um inaceitável ensaio de atuação estatal tendente a asfixiar e, até mesmo, a suprimir a dignidade, a autonomia e a liberdade com que o indivíduo foi dotado, de maneira indisponível, pelo ordenamento positivo.

Atenta a esse fenômeno, a Assembleia Nacional Constituinte, ao promulgar a vigente Constituição do Brasil, nela fez inscrever, como princípios fundamentais da nova ordem jurídica, os seguintes valores essenciais:

“(a) a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, n. III);

(b) a prevalência dos direitos humanos (artigo 4º, n. II);

(c) o repúdio à tortura ou a qualquer outro tratamento desumano ou degradante (artigo 5º, n. III);

(d) a punibilidade de qualquer comportamento atentatório aos direitos e liberdades fundamentais (artigo 5º, n. XLI);

(e) a inafiançabilidade e a impossibilidade de concessão de graça ou anistia ao crime de tortura (artigo 5º, n. XLIII);

(f) a proscrição de penas cruéis (artigo 5º, n. XLVII, ‘e’);

(g) a intangibilidade física e a incolumidade moral de pessoas sujeitas à custódia do Estado (artigo 5º, n. XLIX);

(h) a decretabilidade de intervenção federal, por desrespeito aos direitos da pessoa humana, nos Estados-membros e no Distrito Federal (art. 34, n. VII, ‘b’);

(i) a impossibilidade de revisão constitucional que objetive a supressão do regime formal e material das liberdades públicas (artigo 60, § 4º, n. IV).” (grifei)

Impende destacar, de outro lado, que a condenação penal imposta ao torturador, seja este agente público civil ou militar, implicará “a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada” (Lei nº 9.455/97, art. 1º, § 5º).

Essa, também, é a compreensão manifestada por ALBERTO SILVA FRANCO, RAFAEL LIRA e YURI FELIX (“Crimes Hediondos”, p. 212, item n. 2, “k”, 7ª ed., 2011, RT), cuja lição sobre o tema vale reproduzir:

“O § 5º do art. 1º da Lei 9.455/97 estatui que a sentença condenatória, por tortura, desde que transitada em julgado, acarretará a perda do cargo, função ou emprego público do agente público. Cuida-se, no caso, de efeito automático da condenação, não dependente de motivação, ou do tempo de duração da condenação. Além disso, o legislador penal, em discrepância com o que foi estabelecido na Reforma Penal de 1984, ressuscitou a pena acessória de interdição para o exercício de cargo, função ou emprego público. Tal interdição deverá ter a duração do dobro do prazo da pena aplicada.” (grifei)

Igual orientação, por sua vez, é adotada por outros eminentes autores que sustentam ser automática a perda do cargo como efeito necessário resultante da condenação penal imposta ao agente público pela prática do crime de tortura (FLÁVIO MARTINS ALVES NUNES JÚNIOR, “Leis Penais Especiais”, p. 288, item n. 7.12, 2013, RT; RICARDO ANTONIO ANDREUCCI, “Legislação Penal Especial”, p. 661, item n. 7, 8ª ed., 2011, Saraiva; JULIO FABBRINI MIRABETE, “Tortura: Notas sobre a Lei 9.455/97”, “in” RT, vol. 746/476 e ss., item n. 8; FLÁVIA CAMELLO TEIXEIRA, “Da Tortura”, p. 147/148, item n. 2.7, 2004, Del Rey, v.g.).

Como precedentemente salientado, e considerando a circunstância de o crime de tortura não se qualificar como delito castrense, não se aplicará ao policial militar, quando condenado pela prática dessa infração penal, a cláusula constitucional fundada no § 4º do art. 125 da Constituição, a significar, portanto, que o servidor público militar perderá a sua graduação (se praça) ou o seu posto e patente (se oficial) como consequência natural e direta do próprio juízo condenatório fundado na Lei nº 9.455/97, que tipifica o crime de tortura.

Esse entendimento tem o beneplácito do magistério jurisprudencial dos Tribunais em geral (HC 49.128/MG, Rel. Min. OG FERNANDES – HC 134.218/GO, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, v.g.), inclusive o desta Suprema Corte (HC 92.181/MG, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – RE 652.048/SC, Rel. Min. LUIZ FUX – RHC 104.751/MG, Rel. Min. LUIZ FUX, v.g.):

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. LEI N. 9.455/97. CRIME DE TORTURA. CONDENAÇÃO QUE IMPLICA A PERDA DO CARGO OU FUNÇÃO PÚBLICA. (…).

1. O acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que é permitida a decretação de perda do cargo ou função pública, no caso de condenação por crime de tortura [art. 1º, § 5º, da Lei n. 9.455/97]. (…).

…………………………………………………………………………………………

Agravo regimental a que se nega provimento.”

(AI 748.600-AgR/MG, Rel. Min. EROS GRAU – grifei)

“‘HABEAS CORPUS’. LEI N.º 9.455/97. CONDENAÇÃO POR CRIME DE TORTURA. PERDA DO CARGO PÚBLICO. IMPOSIÇÃO PREVISTA NO § 5º, DO ART. 1º, DA REFERIDA LEI. EFEITO AUTOMÁTICO E OBRIGATÓRIO DA CONDENAÇÃO. DESNECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO. PRECEDENTE DESTA CORTE.

1. Ao contrário do disposto no art. 92, I, do Código Penal, que exige sejam externados os motivos para a decretação da perda do cargo, função ou emprego público, a Lei n.º 9.455/97, em seu § 5º, do art. 1º, prevê como efeito extrapenal automático e obrigatório da sentença condenatória, a referida penalidade de perda do cargo, função ou emprego público. Precedente do STJ.

2. Ordem denegada.”

(HC 92.247/DF, Rel. Min. LAURITA VAZ – grifei)

“(…) PERDA DO CARGO PÚBLICO. LEI Nº 9.455/97. EFEITO EXTRAPENAL AUTOMÁTICO. (…).

…………………………………………………………………………………………

4. A condenação por delito previsto na Lei nº 9.455/97 acarreta, como efeito extrapenal automático da sentença condenatória, a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada.

5. Recurso conhecido, em parte, e improvido.”

(REsp 799.468/AP, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO – grifei)

Conclui-se, desse modo, que a perda de qualquer cargo ou função pública, tratando-se de crime de tortura, decorre, como efeito natural, automático e necessário, da condenação pela prática desse delito (Lei nº 9.455/97, art. 1º, § 5º), sendo irrelevante, para tal fim, que se cuide de integrante da Polícia Militar, ainda que titular do posto e patente de Oficial, a quem não se aplica, por não se cuidar de delito militar, o procedimento previsto no art. 125, § 4º, “in fine”, da Constituição da República.

Em suma, Senhores Ministros: o fato é que, como precedentemente já enfatizado, não se registram, no caso, os pressupostos de embargabilidade que poderiam justificar, se ocorrentes, a admissibilidade destes segundos embargos de declaração.

É por tal razão que proponho, na linha da jurisprudência firmada por esta Suprema Corte, que se determine (a) a imediata devolução dos presentes autos à origem e (b) o pronto cumprimento da decisão emanada da colenda Segunda Turma desta Corte, consubstanciada no acórdão de fls. 1.093/1.098, independentemente da publicação do acórdão pertinente ao presente julgamento.

Assinalo que a medida ora preconizada, considerados os julgamentos efetuados nesta Suprema Corte, permitirá que se proceda à imediata execução das decisões emanadas do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (fls. 641/711 e 766/774), independentemente da publicação do acórdão consubstanciador do presente julgamento.

Ressalto que, em situações extraordinárias, como a de que tratam estes autos, o Supremo Tribunal Federal, ainda que em caráter excepcional, tem admitido a imediata execução da decisão, independentemente da publicação do respectivo acórdão (RTJ 186/715-716, Rel. Min. CELSO DE MELLO – AI 177.313-AgR-ED-ED/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO – AI 260.266-AgR-ED-ED/PB, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE –AI 421.932-AgR-ED-ED-ED/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES – RE 167.787- -ED-EDv-AgR-ED/RR, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – RE 179.502-ED-ED- -ED/SP, Rel. Min. MOREIRA ALVES – RE 190.841-ED-ED-ED/MT, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – RE 202.097-ED-ED-ED-AgR-EDv-ED/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

Sendo assim, na linha dessa diretriz jurisprudencial, considerando o caráter procrastinatório destes segundos embargos de declaração, de que não conheço, e tendo em vista o julgamento efetuado nesta Corte (fls. 1.093/1.098), determino a devolução dos presentes autos ao Juízo de origem, para imediata execução das decisões emanadas do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (fls. 641/711 e 766/774), independentemente da publicação do acórdão pertinente ao presente julgamento, transmitindo-se, ainda, com urgência, comunicação desta deliberação ao Egrégio Tribunal referido e, ainda, ao Juízo processante, em ordem a propiciar a pronta efetivação executória das decisões proferidas pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

É o meu voto.

*acórdão publicado no DJe de 16.10.2013

Fonte: STF

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